Kotleen Beach, Gokarna.
Saio de Goa à procura de um sítio onde não haja sinais de Portugal. Apanho o autocarro em Margão (hub comercial ao sul de Goa) com destino a Gokarna, no Estado de Karnataka.
A primeira paragem, para transbordo, acontece em Karwar, cidade onde a Indian Navy está a construir um dos maiores complexos militares de toda a Ásia (nome de código: ‘Seabird’). O cenário é impressionante: uma paisagem de cortar a respiração invadida por um estaleiro que faz adivinhar um complexo militar 20 vezes superior, em dimensão, à nossa Base Naval do Alfeite. Antes deste local, avisto ao longe Angediva, a “ilha dos amores” cantada por Camões nos Lusíada e ponto onde aportaram as naus de Vasco da Gama na sua primeira viagem à Índia.
Chego a Gokarna seis horas depois de ter deixado Margão (não mais de 150 km separam os dois pontos). A noite não vai demorar muito a baixar, portanto, o objectivo fundamental é encontrar um local para dormir. Gokarna é uma hipótese. Esta é uma pequeníssima e tranquila cidade de peregrinação religiosa (a peregrinação turística começou a dar os seus primeiros passos só na década de 90). Reza a mitologia hindu que, aqui, Shiva renasceu a partir da orelha de uma Vaca. Talvez por esse facto, foi erigido o Templo (medieval) de Shri Mahabaleshwaw, que atrai ao local milhares de crentes.
Não fico na cidade. Vou directamente para Kotleen Beach, a 20 minutos de distância.
O riquexó deixa-me no cimo da falésia. A partir de agora terei que fazer o percurso a pé. Chego a Kotleen já de noite, mas ainda consigo ter uma ideia geral do local: uma praia igual a tantas outras ao sul da Índia, com os inevitáveis coqueiros e meia dúzia de restaurantes com quartos para alugar. A única diferença está na ondulação, que é bastante forte nesta praia. Não consigo um único sítio para ficar. Tudo está “fully booked”. Pondero dormir na areia, mas o frio que se faz sentir tira-me essa ideia da mente. No entanto, regressar a Gokarna está fora de questão. Nenhum táxi me vai lá deixar àquela hora (considerando que havia algum táxi disponível), e voltar a pé inclui um troço pelo meio da floresta.
Depois de uma prospecção mais demorada, consigo finalmente um sítio disponível, a 50 Rupias por noite (1 euro). Apesar de desconfiado, lá fui inspeccionar a suite: Uma palhota entre a floresta e a praia, na fronteira entre uma várzea, um curral e a cabana de uma família de hippies ‘old fashion’ (possivelmente da mesma estirpe daqueles que até à década de 90 ocupavam as praias de Goa e que, entretanto, se refugiaram mais a sul, devido à excessiva comercialização daquele Estado).
A palhota, guarnecida com um velho e sujo colchão, não tinha electricidade, apenas uma pequena vela acesa deixada pelos inquilinos anteriores (que, entretanto, devem ter encontrado um local mais decente para ficar). Os mosquitos são mais que muitos lá dentro, facto que prenuncia uma noite atribulada (o repelente ficou esquecido em Panjim).
Deixo a bagagem na palhota e vou para a praia apanhar um bocado de ar fresco e pensar: Fico ali e sou devorado pelos mosquitos ou vou-me embora, pela floresta, e sirvo de jantar fácil a uma qualquer king cobra local? What to do?! What to do?! :-(